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Café Espacial Nº 13, Ano 8 [Wuldson Marcelo]

Café Espacial Nº 13, Ano 8


Recentemente, três notícias despertaram a atenção para o modo como a cultura, em momentos de crise, é uma das primeiras pastas a receber cortes, independente se, antes da decisão da redução de investimentos públicos em arte e manifestações culturais, o orçamento com o qual a secretaria trabalhava era módica ou “generosa”.No Espírito Santo, o governo de Paulo Hartung propôs cortes de 60% para as pastas de Cultura, Esportes e Planejamento(G1), o governo do estado de São Paulo anunciou uma redução de 21% na verba para a TV Cultura (considerada uma das emissoras com melhor grade de programação no mundo)fonte:Portal Imprensa, e, em Mato Grosso, a secretaria de Cultura viu-se ameaçada pela equipe de transição do atual mandatário do estado, Pedro Taques, de extinção ou de ser fundida à secretaria de Turismo.  Depois o governador decidiu manter a pasta, ampliando a competência da mesma, já que tornou-se secretaria de Cultura, Esporte e Lazer. 

Diante desse absurdo cenário de déficit e negligência, a qualidade e vitalidade da revista independente Café Espacial chama a atenção. Em seu 13º número, a revista preza pela sua abrangência, pois abarca em suas páginas de histórias em quadrinhos à poesia, passando por contos, cinema, fotografia, música etc. E é a versatilidade a principal característica da Café Espacial. E esse tour pelos diferentes gêneros artísticos é acompanhado por um projeto gráfico de excelência, com ilustrações criativas e design que, por si só, já é motivo para que uma visita às suas páginas torne-se obrigatória.

Lançada em 2007, a Café Espacial preza pela diversidade, divulgando a cultura e abrindo espaço para que seus colaboradores tenham visibilidade, em uma via de mão dupla, já que sem o artista não há publicação, e, sem as pessoas dispostas a engendrar o espaço, o artista se percebe cada vez mais abandonado à própria sorte. Não que vá abrir as portas na “cara e coragem”, mas com apoio e respaldo fica bem tranquilo percorrer a estrada, repleta de alegrias, frustrações e inquietudes, chamada arte. 

Nessa 13ª edição, a revista traz as HQs “Leviatã”, de L.M. Melite, “Tarde para o amor”, dos argentinos Alejandro Farías e Cris Aguirre, “Damasco”, de Lielson Zeni e Alexandre Lourenço, e duas adaptações: “Um Último Monólogo”, de Lucio Luiz e Flávio Soares, baseado no monólogo de Shylock, personagem de “O Mercador de Veneza”, de William Shakespeare, e “A Vida Eterna”, de Floreal Andrade, baseada em um conto de Machado de Assis.
Entre as histórias, destaca-se “Leviatã”, que acompanha o caos emocional do jovem Leandro – seu desespero nos descaminhos cinzas da cidade. Com traços que constroem um efeito de distorção, compondo um cenário de frustração, solidão e mesquinhez, “Leviatã” é um angustiante passeio íntimo com ritmo visual e linguagem em forma de pesadelo.
Os contos “Um Entre Cem Caminhos”, de Rachel Boaventura, e “Bonsai”, de Lídia Basoli, têm em comum uma das condições que atestam a fragilidade das relações contemporâneas: a incomunicabilidade.  No conto de Boaventura, há uma tensão provocada pelo não dito e, no de Lídia Basoli, encontramos o isolamento emocional que leva à tragédia.
Ainda somos brindados com a poesia visual de Jefferson Cortinove. Beleza, impacto e poder síntese.

“A Marcha”, ensaio fotográfico de Jorge L. Campos, é um raio X de uma metrópole no “tempo da aceleração”, rostos e paisagens que passam sem deixar vestígios.
Débora Raphaeta, na seção “Arte Revelada”, propõe uma discussão acerca do teste de Bechdel, que procura dar conta e expor o quanto há de protagonismo de personagens femininas em uma produção cinematográfica. E ainda sugere cinco filmes que passam no teste proposto por Bechdel, de “Volver”, de Pedro Almodóvar a “As Horas”, de Stephen Daldry.
E uma entrevista, feita por Lielson Zeni, com um dos integrantes da banda ruído/mm. Além do jogo envolvente de perguntas e respostas, encontramos a discografia, trecho do que saiu na imprensa sobre a banda e o depoimento de Zeni, um fã assumido da ruído/mm.

Ler a Café Espacial é um prazer... Esmiuçá-la uma experiência instigante. Já que nos faz pensar como seria genial ter uma revista dessa envergadura em cada cidade do país.
Assim, retornamos ao epílogo e a situação da cultura. Não que a iniciativa privada, o espírito empreendedor e a independência das leis de fomento à cultura não sejam louváveis. São, e muito. A questão é que dinheiro público deve sim incentivar e patrocinar a arte e a cultura. Ambas contribuem para produção da memória. Como lembrou o documentarista chileno Patrício Guzmán, em entrevista à Carta Capital(http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Midia/-Os-paises-sem-memoria-sao-anemicos-e-conformistas-%0d%0a/12/25657), “Os países sem memória são anêmicos, não se movem, são conformistas, e caem numa espécie de cultura de sofá, gente que está sentada no sofá assistindo à televisão… E não se movem.


Acredito que a memória é um conceito tão importante quanto a circulação do sangue”. E pelo surgimento de mais Cafés Espaciais – e sua pluralidade, hibridismo, abertura à novidade e provocação –, que decisões políticas como as citadas devem ser combatidas e reprovadas. A arte é um respiro diante forças repressivas que somente tornam o caos contemporâneo mais dilacerante... E, contraditoriamente, mais criativo. Ainda bem que existem realizações como a Café Espacial para dar vazão à fome e à sede de contestação, expressão e reflexão de inúmeros artistas talentosos deste imenso Brasil


Wuldson Marcelo é mestre em Estudos de Cultura Contemporânea e graduado em Filosofia (ambos pela UFMT). É revisor de textos, autor do livro de contos “Subterfúgios Urbanos” (Editora Multifoco, 2013) e um dos organizadores da coletânea “Beatniks, malditos e marginais em Cuiabá: literatura na Cidade Verde” (Editora Multifoco, 2013).

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