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MIA COUTO E A IDEOLOGIA MOÇAMBICANA: REALIDADE E FANTASIA EM TERRA SONÂMBULA [Pedro Puro Sasse da Silva]

MIA COUTO E A IDEOLOGIA MOÇAMBICANA: REALIDADE E FANTASIA EM TERRA SONÂMBULA

Artigo de Pedro Puro Sasse da Silva


Esta leitura de. Terra sonâmbula, de Mia Couto, o romance é rico em descrições de cultura, aborda aspectos históricos e o imaginativo de um povo, da sociedade moçambicana.

Este trabalho será divido em quatro partes: inicialmente será feita uma biografia do autor, suas obras e motivações, – na segunda parte haverá um resumo da obra Terra Sonâmbula, na terceira parte, abordaremos o retrato da guerra no romance, como esta se caracteriza e qual a influência na vida dos personagens; a quarta e última parte será destinada a nossa leitura, propriamente dita, que marcará a presença do fantástico na obra, fruto da materialização das vigorosas crenças e esperanças do povo, daremos ênfase a fé e do sonho para estes. Assim pretendemos entender como este par de oposição real - fantástico se apresenta na literatura africana.

Nascido na cidade de Beira, província de Sofala em Moçambique, no ano de1955, Mia Couto – ou Antônio Emílio Leite Couto – é filho de portugueses que emigraram para Moçambique em meados do século XX.

Desde jovem já mostrava claras aptidões para o mundo literário, tendo poemas seus publicados num jornal da cidade com só catorze anos. Inicialmente, após concluir seus estudos secundários, ingressou na faculdade de Medicina, interrompendo-a no terceiro ano de estudo, quando, após a Independência Nacional de 1975, envereda-se pelo ramo jornalístico chegando a trabalhar como diretor em diversos órgãos de comunicação social.

Em 1989 retorna à universidade, concluindo o curso de Biologia com especialização em Ecologia. Unindo seu ramo de pesquisa com a vontade de aproximar-se da ideologia de seu povo, Mia Couto trabalha reunindo mitos, lendas e crenças que intervêm na gestão tradicional de recursos naturais. Podemos perceber os frutos claros dessa pesquisa em Terra Sonâmbula. Atualmente é professor da cadeira de Ecologia em diversas faculdades de Moçambique.

Sua carreira como escritor é ainda mais fascinante. Após algumas publicações em revistas, lança seu primeiro livro de poemas em 1983, Raiz de Orvalho. Ainda durante os anos oitenta escreveu diversos contos, recebendo o Grande Prêmio da Ficção Narrativa em 1990 com Vozes Anoitecidas.

Não demorou para que seu sucesso saísse da esfera de Moçambique para que o mundo tomasse conhecimento de seus livros. Hoje em dia é o escritor mais divulgado de seu país, tendo sua obra traduzida e publicada em mais de 24 países. É o autor estrangeiro mais vendido em Portugal e o único  escritor africano a possuir a honra de ser membro da Academia Brasileira de Letras, sendo o sexto ocupante da quinta cadeira.

Recentemente os romances Terra Sonâmbula e O último voo do flamingo receberam adaptações para o cinema em filmes homônimos nas mãos dos cineastas Teresa Prata e João Ribeiro respectivamente.

Resumo da obra

A obra é constituída de dois focos narrativos, de um lado temos a história de um menino chamado Muidinga e seu tio Tuahir, que andam por uma longa e deserta estrada fugindo da guerra. Em dado momento eles encontram uma série de escritos que quando lidos pelos personagens formam o segundo foco narrativo, que é a história do menino Kindzu e sua vontade de tornar-se um naparama[i].

Vindo numa estrada descrita como “mais deitada que os séculos” Muidinga e seu tio Tuahir encontram um machimbombo[ii] incendiado, com restos de corpos carbonizados. Inicialmente o velho decide descansar entre os cadáveres, porém graças aos pedidos de seu sobrinho, cansado de viver entre os mortos, resolve enterrá-los. Na volta descobrem mais um corpo distanciado do local queimado, morto por tiros. Nesse corpo encontram uma série de cadernos. Para espantar o medo e a solidão da noite no interior de um Moçambique em guerra, o menino inicia a leitura dos cadernos, as memórias autobiográficas de Kindzu.

Nesse momento da narrativa temos uma mudança no tipo de narrador, que deixa de ser heterodiegético para tornar-se autodiegético. Kindzu, então, passa a narrar sua vida a partir da série de eventos que desencadeiam sua saída da vila em busca de seus sonhos. Kindzu era de uma família pobre em alguma região litorânea de Moçambique, filho de um pescador, Taímo. O pai de Kindzu era conhecido por seu vício em beber Sura[iii], mas também por prever o futuro em seus sonhos. Uma vez sonhou com a independência do país e resolveu dar ao filho que estava para nascer o nome de Vinticinco de Junho. Assim foi feito, ao nascer batizaram a criança com tal nome, porém não tardou muito para que se torna-se apenas Junho, ou carinhosamente, Junhito.

O velho Taímo, em um de seus sonhos proféticos, previu a morte de um dos filhos. Certo de que este seria seu querido filho menor, tomou um decisão que abalou toda a família. O menino, ainda com seus poucos anos, deveria ser disfarçado de galinha e ser posto a viver com as mesmas. Apesar das tentativas da mãe em dissuadi-lo, ao fim, Vinticinco de Junho foi mandado para o galinheiro.

O menino pouco a pouco foi deixando de ser gente e cada vez mais parecia galo, e certo dia simplesmente desapareceu. Essa foi a primeira perda de Kindzu. O pai desmoronou, passou a beber ainda mais, sem alimentar-se, entregue às tristezas. Não demorou muito para que morre-se também. Sua mãe, que o considerava o pior dos filhos que teve, vivia agora no passado, cozinhando para alimentar a morte de seu marido. Kindzu tinha dois pontos de fuga para aquela vida desmoronada. Uma era a escola e a outra seu amigo Surrendra, o indiano. Na loja desse indiano que por primeira vez viu um naparama, quando um líder de uma aldeia vizinha roubou e tentou incendiar a loja, impedido por um dos guerreiros místicos. Pouco tempo depois descobriu que bandidos haviam incendiado o comércio de Surrendra e que este iria embora. Desesperado procurou refúgio na escola, porém só encontrou a escola destruída e seu professor e amigo assassinado. Assim, com tudo que lhe importava arrancado de sua vida, decidiu-se por partir e tornar-se um naparama.

De volta ao machimbombo, Muidinga se exalta com as histórias de Kindzu, sente desejo de relembrar seu passado. Graças a uma doença que contraíra quando pequeno, o menino não tem memória e seu tio pouco lhe conta sobre o passado. Pressiona seu tio para entender melhor seu passado, desejando ter uma história tão profunda quanto a de Kindzu. Em dado momento descobre, riscando o chão com um pedaço de pau, que sabe escrever. Por fim teoriza a seu tio que acha ser Junhito.

Kindzu, após partir de seu vilarejo, ia agora sem um rumo muito certo. Sentia que o espírito do pai o perseguia. Na aridez das dunas moçambicanas, o rapaz se esforçava em seguir em frente. Fantasmas lhe aparecem, assim como seu pai, com quem conversa. Desolado não sabe se está diante de seres no além ou apenas alucinando pela fraqueza na qual se encontra.

Na estrada, Tuahir e seu sobrinho experimentam a escassez de alimentos, buscando nas redondezas por algo comestível. Numa machamba[iv], deparam-se com algumas mandiocas, que Muidinga se apressa em tentar comer. Impedido pelo tio, o menino descobre que as mesmas já estavam contaminadas pelos ratos que antes as roeram. Esse fato traz à memória do velho Tuahir o tempo em que conheceu o sobrinho, e resolve, assim, dividir com ele, por primeira vez, algo do passado. Conta como, enquanto alguns homens jogavam corpos de crianças na vala, ele percebeu que um ainda uma ainda estava viva. Não havendo quem cuidasse da criança, apiedou-se e resolveu tratar dela. Essa criança era Muidinga.

Após todo o tormento das dunas, Kindzu chega a Matimati, onde se depara com um local em estado de miséria. Lá conhece Assane, um antigo secretário do administrador do local, que contou o que acontecera ali: Ouvindo que um navio cheio de mantimentos aproximava-se da cidade, os habitantes passaram a esperar ansiosos pela chegada da providência, porém um acidente fez que o navio naufragasse, despertando o interesse daqueles que pensavam em buscar nas águas as riquezas que o navio possuía. O administrador proibiu, disse que tudo deveria ser organizado e impediu os rituais que traziam as fúrias do mar, assim o povo, descontento, começou a chama-lo corrupto. Assane foi um dos que lhe acusou, perdendo o emprego e apanhando tanto que ficara aleijado. Assim estava o local agora, na ilusão da chegada dos mantimentos perdidos no mar. Kindzu foi recomendado a sair de lá antes da chegada das autoridades. Após beber e fazer alguns rituais partiu em canoa, orientado sobre a existência dos naparamas nas localidades. No mar encontrou um Tchóti[v] que também buscava o navio alegando que o céu também passava necessidades. Juntos alcançaram a embarcação e lá Kindzu encontrou uma misteriosa mulher: Farida.

Os dias se tornam entediantes para Tuahir e Muidinga, o velho às vezes sai para passear com seu sobrinho fingindo que continuam o caminho mas sempre voltam ao machimbombo. O menino nota mudanças na paisagem, sente como se a estrada estivesse movendo-se. Numa dessas caminhadas os dois caem numa armadilha e conhecem o velho Siqueleto, um excêntrico e solitário velho. Os dois já encontravam-se fadados à morte quando ao escrever o nome de Siqueleto no chão, Muidinga desperta em seu algoz uma estranha comoção. Este os liberta, segue até uma árvore e escreve seu nome nela com um punhal, após fazê-lo se mata.

Farida carregava o peso de uma maldição, era filha-gêmea. Na aldeia onde nascera isso é sinal de grande maldição e devem matar uma das irmãs para apaziguar a ira da natureza. Depois descobrira que sua irmã na verdade não tinha sido morta, mas retirada da aldeia em segredo. Após matarem sua mãe em rituais, Farida partiu da vila, indo morar um casal português que a acolheu. Ficou com dona Virgínia, a portuguesa, até que por assédios de seu marido, a senhora resolveu levar Farida para uma igreja. Lá permaneceu por um tempo, até que, ao voltar buscando por Virgínia, foi recebida por seu marido, que a convenceu a passar a noite esperando sua esposa e estuprou a menina. Assustada ela fugiu para longe e descobriu que estava grávida, ao ter o bebê, branco como o pai, disse que este era albino e o levou para ser criado num orfanato. Anos depois, arrependida, voltou por seu filho mas era tarde de mais, o mesmo abandonara o local. Após isso Farida disse a Kindzu que esperava que chegassem os estrangeiros a buscar o navio e levassem-na com eles.

Muidinga e Tuahir, continuando seu caminho encontram um homem que tinha a missão de cavar um rio que cruzasse todas aquelas terras. Os dois resolvem ajuda-lo, permanecendo dias cavando o enorme e absurdo buraco. Ao cabo de algum tempo chove e a vala enche-se de água carregando consigo o fazedor de rios.

Kindzu aproximava-se cada vez mais de Farida e esta pediu-lhe que achasse seu filho Gaspar. Eles discutiram, Kindzu queria tirar a mulher dali, mas esta se negava a sair, a espera de uma vaga salvação. Mencionou um farol que pretendia acender para chamar a atenção dos resgatadores. Mais tarde os dois por fim amaram-se profundamente, pouco antes de que esta pedisse a saída de Kindzu dali. O rapaz se viu, então, no dilema: Seguir seu desejo de tornar-se um naparama ou buscar o filho de sua paixão.

Ao voltar para Matimati, Kindzu conseguiu contatar Surrendra, que encontrava-se num estranho estágio de catatonia. Em união com o indiano, o ajudante do administrador iria abrir uma loja. O rapaz ficou na cidade até sua inauguração e durante esse tempo conheceu Carolinda, mulher do administrador. Num ataque contra a casa onde estava Surrendra, Assane, esposa deste, morreu, porém nem assim saiu de seu transe. Desiludido com a ajuda que poderia obter de Surrendra, Kindzu resolveu continuar seu caminho, mesmo sem ele. Buscou um guia, e pela noite, indo ao bar, encontrou Quintino, um homem que afirmavam poder orientá-lo. Quintino porém de tão bêbado desmaiou e Kindzu desistiu de falar com ele aquela noite e na volta encontrou Carolinda, com quem teve uma noite de amor.

No dia seguinte foi preso pelo próprio administrador, acusado por Carolinda. Apanhou sem muito entender. Porém pouco depois Carolinda, que o fizera para mantê-lo por perto, se arrependeu e deixou-o sair. Quintino lhe contou que Romão Pinto estava morto devido à maldição de acostar-se com uma mulher menstruada e que seu fantasma o atormentava. Por fim partiram Quintino e Kindzu, fugindo da cidade.

Na estrada, Tuahir e Muidinga passam os dias aproximando-se mais. Conversam e brincam, tornando-se como pai e filho. O menino, um dia, passeando pelas redondezas, é atacado e violentado por senhoras fazendo um ritual, sua primeira experiência sexual.

Kindzu encontrou dona Virgínia e conseguiu informações sobre o paradeiro de Gaspar. Soube que o filho de Farida esteve ali porém já havia partido e que talvez fosse atrás de tia Euzinha. Antes de partir encontrou novamente com Carolinda e percebeu sua semelhança assombrosa com Farida.

O velho Tuahir, junto a seu sobrinho, passa por um pântano quando adoece. Conta histórias a Muidinga, que percebe a proximidade da morte de seu tio. Tuahir pede que façam como fizeram a Taímo, que o ponham num barco para perder-se no mar.

Kindzu partiu para o campo de refugiados onde encontrava-se Euzinha. Lá descobriu que Carolinda era, na verdade, a irmã gêmea de Farida e ainda localizou o paradeiro de Gaspar, que se encontrava em um campo próximo. No dia seguinte Euzinha morreu durante uma festa, de velhice.

Muidinga leva seu tio, muito doente, até o litoral. Lá encontram um barco, como mesmo nome do barco que levara o pai de Kindzu. Tuahir parte, então no mar, deixando o menino só no mundo.

Ao voltar a Matimati, Kindzu deparou-se com a mais triste notícia de sua vida. Descobriu a morte de Farida no incêndio do farol que ela tentara acender. Desolado resolve partir para longe num machimbombo e finaliza sua história com o belo sonho de tornar-se um grande naparama.

Realismo e guerra

A guerra civil moçambicana teve início em 1976 quando um grupo antigovernamental chamado RENAMO se opôs ao exército de Moçambique, atacando diversas cidades na fronteira e no interior. Esses atos desestabilizaram a economia moçambicana, que, além de ter que investir muita verba no aparato militar, viu sua produção agrícola severamente reduzida. Nesse panorama, o povo, principalmente aqueles que não viviam nas grandes cidades, foi abandonado progressivamente, ficando a mercê de forças paramilitares e criminosos. Somados ao clima de guerra, a fome e a falta de infraestrutura no país criam, no interior, regiões verdadeiramente desoladas. Diante dessa realidade social, Mia Couto aborda a relação entre o povo e as consequências da guerra, como eram seus hábitos e pensamentos.

Dentro das duas histórias, de Muidinga e de Kindzu, podemos perceber a influência do clima bélico sob os personagens e seu entorno. Logo ao começo, quando o menino Muidinga se depara com o ônibus incendiado, seu tio lhe diz que hão de dormir ali, entre os corpos carbonizados, porém seu sobrinho lhe pede para enterrarem os corpos: “É que estou faro de viver entre mortos.”[vi].  Essa simples frase já nos deixa claro que mais do que a morte, os cadáveres são algo presente no cotidiano daquele local. O hábito do enterro é dado em situações normais, onde há tempo e recursos para as devidas cerimônias, porém em épocas de crise os mortos são os primeiros a serem abandonados, deixados para apodrecer em valas, rios ou no próprio chão.

As famílias também se veem diante da dificuldade de sustentar todas as bocas. As leis da sobrevivência já são conhecidas pelos mais velhos, mas aqueles que nasceram em épocas mais amenas não sabem como manter-se, dependem de seus pais e outros parentes. Diante disso Tuahir, quando questionado sobre o porquê dos pais de Muidinga não o quererem mais, responde: “Em tempos de guerra filhos são um peso que atrapalha maningue (muito, demasiado)”[vii].

Já nas histórias de Kindzu encontramos inicialmente as previsões de seu pai sobre a independência do país fatos que poucos conheciam. Essa marginalização dos processos políticos do país revela que mesmo com os ditos revolucionários atos de descolonização, a vida do povo não mudou em nada, para eles, ser explorado por um branco ou por um negro em pouco mudava sua vida. Saindo de uma guerra para uma seguida entrada em outra o povo apesar de desconhecer as motivações, sabiam bem como defini-la, assim dizia Taímo: “A guerra é uma cobra que usa os nossos próprios dentes para nos morder.”. Assim ele a define, como um mal que faz com o que o povo lute contra si, que derramem de seu próprio sangue, quando os verdadeiros inimigos nem são tocados.

As crianças são as principais vítimas nesses casos, seja por pais que as abandonam ou morrem, seja por que, alvos fáceis para os bandidos, são assassinadas, levadas ou estupradas. A solução de Taímo para impedir que seu filho menor sofresse pela guerra retrata bem o desespero de um pai:

“- Calem! Não quero choraminhices. Este problema já todo eu pensei. Em diante Junhito vai viver no galinheiro!

Fez seguir ordens de seu mandamento: O miúdo devia mudar, alma e corpo, na aparência de galinha. Os bandos quando chegassem não lhe iriam levar. Galinha era bicho que não despertava brutais crueldades. ”[viii]

O absurdo da ideia traz o choque necessário para mostrar uma verdade, os bandos eram mais cruéis com os homens que com os animais. As próprias imagens de Kindzu, ainda sem conhecer muito do mundo, já deixam claro a visão do povo sobre o país durante a guerra:

“Agora eu via meu país como uma dessas baleias que vêm agonizar na praia. A morte nem sucedera e já as facas lhe roubavam pedaços, cada um tentando o mais para si. Como se aquele fosse o último animal, a derradeira oportunidade de ganhar uma porção. De vez enquanto, me parecia ouvir ainda o suspirar do gigante, engolindo vaga após vaga, fazendo da esperança uma maré vazando. Afinal, nasci num tempo em que o tempo não acontece.”

A linguagem rica em figuras de linguagem de Mia Couto nos serve para perceber, com sutileza, as descrições da realidade. A metáfora do país como a baleia encalhada na praia, em que nem a esperavam morrer para tirar dela pedaços. O país estava encalhado nos escombros de uma guerra de independência e já se via diante de outra, outros buscando tirar sua parte do gigante. Podemos perceber a visão da estática quando Kindzu diz que nasceu num tempo em que o tempo não acontece, pois ele vê que nada muda a sua volta, as mesmas lutas, a mesma dor.

O vazio é outro elemento presente nos cenários de guerra. Em contraste com a dinâmica dos campos de batalha cheios, o interior se torna progressivamente oco, já que seus habitantes ou estão mortos pela bandos, ou se alistaram em um dos lados ou fugiram para as grandes cidades. A desolação contrasta uma vida abandonada em seu curso com uma selvagens miséria que se degrada os locais criando cenários como esse:

A guerra crescia e tirava dali a maior parte dos habitantes. Mesmo na vila, sede do distrito, as casas de cimento estavam agora vazias. As paredes, cheias de buracos de balas, semelhavam a pele de um leproso.(...) Nas ruas cresciam arbustos, pelas janelas espreitavam capins.(...) E agora, sem residentes, as casas de cimento apodreciam como a carcaça que se tira a um animal.[ix]

O racismo é outra marca presente no romance, mostrando como essa característica transcende territórios. Os brancos eram racistas com os negros, porém os negros eram racistas com os imigrantes que em suas terras moravam. Surrendra, por ser indiano, se via constantemente alvo de preconceitos e ataques dos bandos. Os pais de Kindzu reprovavam sua amizade com o indiano e diziam que estes não tinham amigos pretos. As investidas contra o estrangeiro foram tantas que ao fim incendiaram a casa de Surrendra, mantando sua esposa.

Nesse ambiente desolado, até os menores elementos podem considerar-se de suma importância. Muidinga ao ver um cabrito perto do ônibus tem uma sensação de estar em uma vila novamente, em uma vida normal. O simples fato de ter algo familiar com que relacionar-se cria um forte vínculo. Esse sentimento contrasta com a necessidade da alimentação, mostrado metonimicamente no trecho a seguir:

“Surge ali um novo motivo de briga. Muidinga opõe-se a que o bicho seja morto. O cabrito lhe dá um sentimento de estar em aldeia, longe daquele lugar perdido. No facto, se passava o inacreditável: Um bicho lhe trazia de volta o sentimento da família humana. O velho insiste em assar o cabrito: o rapaz deixasse o tempo passar e pensaria mais com a barriga. A fome quando ferra nos faz feras.”[x]

Um dos grandes e presentes vilões da guerra é a fome. Durante todo o livro vemos menções sobre as necessidades de saciá-la. Todos os dias são uma nova jornada em busca de alimento para Tuahir e seu sobrinho, e em Matimati o povo vive em miséria esperando a chegada dos alimentos. Muidinga recebe do tio ensinamentos de como enganar a fome: “Sabe o que você faz? Você engole com força. É, engole saliva, faz conta está entrar comida na garganta. A fome dica confusa assim.”[xi].

A fome é agravada quando a pouca ajuda recebida pelo povo cai nas mãos onipresentes das administrações locais. Os governantes da região ganham o controle sobre a distribuição das doações vindas de fora e os pobres recebem migalhas do que lhes era destinado. Qualquer forma de protesto é combatida sem demora com violência e repressão, mantendo o povo calado. Matimati representa uma das muitas cidades moçambicanas dentro dessa realidade:

“Foram as promissoras ameaças do administrador no fecho do comício. Depois, para levantar a poeira sem mexer na areia, o administrador se abateu sobre o secretário lhe lançando acusações de desvios e abusos. Assane foi preso, sujado por mil bocas. Na prisão lhe bateram, chambocado (espancado com pau) nas costas até que as pernas se exilaram daquele sofrimento que lhe era inflingido. Perdeu o sentimento da cintura pra baixo.”[xii]



Através da guerra as ordens sociais são desestabilizadas, dá margem aos oportunistas ganharem pela força o que antes só poderia ser conseguido por trabalho. Os ladrões se multiplicam numa época em que os limites do privado se dissolvem pela miséria geral. Surrendra, o indiano, percebia isso com clareza e transmitira esses ensinamentos para Kindzu:

“Tinha que haver guerra, tinha que haver morte. E tudo era para quê? Para autorizar o roubo. Porque hoje nenhuma riqueza podia nascer do trabalho. Só o saque dava acesso às propriedades. Era preciso haver morte para que as leis fossem esquecidas. Agora que a desordem era total, tudo estava autorizado. Os culpados seriam sempre os outros.”[xiii]

Apesar de todos os ecos da guerra, sempre presentes durante o romance, a guerra em si nunca chega a ser exposta. Ela sempre se encontra um passo a frente dos personagens, deixando seu rastro. Vemos os muros furados, mas não os tiros, vemos tanques abandonados mas não tropas, vemos a fome mas não o saque dos armazéns. Isso nos mostra que na verdade o que age sobre aquele Moçambique é uma guerra-fantasma, que assombra o povo mas nunca chega a mostrar sua verdadeira face, uma guerra que não pode ser enfrentada e combatida, apenas está presente, efêmera e destrutiva:

“Antes fosse uma guerra a sério. Se assim fosse teria feito crescer o exército. Mas uma guerra-fantasma faz crescer um exército fantasma, salteado, desnorteado, temido por todos e mandado por ninguém. E nós próprios, indiscriminadas vítimas, nos íamos convertendo em fantasmas.”[xiv]

Mia Couto retrata essa vida onde as morais e éticas da sociedade civilizada são deturpadas pelo ambiente da guerra. A realidade muda e maneira de interagir com ela também. Ao lermos essas descrições nos chocamos, nos deparamos com algo distante e insólito, porém é através desse impacto que conseguimos absorver essa nova realidade, notar que esse mundo tão distante está na verdade próximo, jaz na nossa própria natureza. Quando expostos a essa situações limite nossa maneira de agir se vê metamorfoseada, seguimos leis que antes víamos como absurdas. Concluo com três trechos que sintetizam essa mudança na maneira de lidar com a sociedade, passagens que mostram como as regras cruas da guerra levam ao povo essa crueldade de forma tão natural que passa a ser parte do cotidiano:

“Virgínia acorreu às traseiras e viu um corpo estendido entre os capins. Não estava morto. Apenas dormia, exausto. Ela confirmou que o menino ainda estava vivo mas não o apanhou nem amparou. Foi buscar uma pá e atirou-lhe com terra, enquanto dizia:

 - Morre, meu menino. É melhor morrer-se, enterradinho, que ficar aqui. É que esta vida não dá acesso aos meninos.”[xv]

“Fiquei a saber que havia mães que roubavam a comida dos filhos e, no meio da noite, lhes tiravam a manta que os protegia do frio.(...) Aquilo nem maldade não era. Simplesmente, as mães ensinavam aos filhos os modos da sobrevivência.”[xvi]

“As velhas ali não eram queridas. Sua carga era um indesejado fardo. As de sua idade já haviam todas sido abandonadas. Apenas as que ainda trabalhavam eram suportadas. Por isso Euzinha simulava as mais pesadas labutas. Pediu-nos que nunca a ajudássemos em nada.”[xvii]

Através desses trechos podemos perceber então como o autor trabalha a descrição de uma Moçambique afetada por uma guerra cruel e ao mesmo tempo próxima e distante. Como a fome, a solidão, o crime, a dor e outros elementos afetavam o modo de pensar e agir daquele povo, como através da guerra o ambiente se metamorfoseava em algo único e adaptado a tal realidade.

Imaginário e tradição

Vimos anteriormente como o autor fez um trabalho minucioso e extenso na descrição da realidade da guerra no interior de Moçambique, como esses fatos podiam alterar o cotidiano do povo, percebemos os elementos que nos apontavam para um indivíduo construído pela guerra. Porém Terra Sonâmbula é um romance de dualidades. Vemos essas dualidades quando pensamos em Muidinga e Kindzu, Taímo e Tuahir, Farida e Carolinda, Virginia e Euzinha, etc. Assim como internamente percebemos a dualidade de personagens e ambientes que ao mesmo tempo se misturam, perdendo-se na identidade do outro e se contrastam marcando claras diferenças. É dessa relação de contraste que nasce a ideia desse trabalho. A ideologia do povo também é uma dualidade, uma par composto por uma realidade dura, momentânea, dolorosa e presente e por um imaginário fantástico, perene e esperançoso. Esse imaginário é parte integrante da vida do moçambicano, mesmo aqueles que vem de fora acabam sendo envolvidos pelas crenças, pelos costumes, remodelam sua forma de ver o mundo. Nesse romance o autor dá vida à esse imaginário, mostra como a realidade convive com a fantasia numa dança onde um dá espaço ao outro.

“A razão desse mundo estava num outro mundo inexplicável. Os mais velhos faiam a ponte entre esses dois mundos.”[xviii] Essa frase poderia sintetizar a relação do homem com a mitologia na maioria das sociedades, e uma das frases proferidas por Kindzu quando somos submergidos na atmosfera do fantástico. Seu pai por ter sonhos proféticos é sempre ouvido pela família, que crê em suas palavras e segue seus conselhos. Quando poucos sabiam exatamente do que se tratava, Taímo já havia sonhado com a independência do país e dado ao filho que iria nascer o nome do dia em que ela iria acontecer.

Muitas vezes o discurso dos personagens faz asserções que transparecem seus pensamentos de forma clara. Em dado momento, quando Kindzu explica que seu irmão ouve mal, diz:

“Seus ouvidos não trabalhavam bem desde que ele quase se afogara. A água lhe entrou fundo nos ouvidos, tanto que nunca mais se limparam. Sacudiu-se, enxugou-se: Nada. A água lá ficou, a gente ouvia chocalhar na cabeça dele.”[xix]

A relação do povo do interior com a fé era algo profundo. A morte do pai de Taímo por ser algo misteriosa, fez com que Kindzu e sua mãe buscassem o feiticeiro da vila para explicar o que tinha acontecido. Este recomendou uma série de cuidados para que pudesse Taímo descansar em paz.

Muito atrelado a este misticismo, a figura que existe exatamente no limiar entre a dualidade de realidade e do imaginário, é o naparama. O clã dos guerreiros místicos pode ser visto como o ponto de intercessão entre as necessidades de combater uma guerra atual utilizando-se dos feitiços e artefatos da tradição moçambicana. Em nenhum momento do livro os naparamas têm seus poderes questionados de forma cética, assim como a maior parte dos elementos fantásticos do romance. Descritos por Surrendra como:

“Guerreiros tradicionais, abençoados pelos feiticeiros, que lutavam contra os fazedores de guerra. Nas terras do Norte eles tinham trazido a paz. Combatiam com lanças, zagaias, arcos. Nenhum tiro lhes incomodava, eles estavam blindados, protegidos contra balas.”[xx]
     Logo, a imagem do naparama remete aos guerreiros mitológicos, o herói. Dotados de ideais nobres e capacidades sobre humanas, tentam através de um combate pessoal eliminar um mal. A última frase nos mostra com clareza a naturalidade com que tratam o sobrenatural, dizendo sem maiores explicações que nenhuma bala poderia atingi-los.

O autor ao longo do livro faz menção a diversos seres da mitologia moçambicana, entre eles fantasmas, demônios e anões. Sua presença é vista com naturalidade, apesar de em certos momentos a narrativa não deixar claro se a presença não passou de uma alucinação. Kindzu recebe também a ajuda dos seres mitológicos, como no caso do Tchóti, um anão que desce do céu e lhe indica o local do barco.  O próprio pai de Kindzu, durante o romance, lhe aparece diversas vezes para atormentá-lo. Esse trecho nos mostra a primeira aparição das criaturas:

Levantei os olhos: ele ali estava! Nem eu posso trazer o recordo dessa figura. Suas formas não figuravam um desenho de descrever, semelhando um malfeitor vindo dos infernos. Sempre eu só ouvira alar deles, os psipocos, fantasmas que se contentam com nossos sofrimentos. Ali estava um deles, inteiro de sombra e fumo.[xxi]

Muitas vezes a relação com o sobrenatural é caracterizada como uma forma de lidar com a miséria, como esperança. Os rituais tentam trazer sorte, paz, alimento ao povo. Em Matimati vemos isso:

“Era esta a razão por que se escutavam tambores consecutivos, rezas obscurantistas em todas as praias, chamando aos antepassados para outros navios se afundarem, suas cargas se espalharem e desaguarem nas mãos dos famintos.”[xxii]

Algumas dessas crenças também agem de forma negativa, trazendo dor, como na triste história da mãe de Farida, que ao parir gêmeas é obrigada a matar uma das filhas. A negação da tradição traz consequências ruins, visto que, ao não matar a filha, mas manda-la para longe, a aldeia fica sem chuvas. Logo para aplacar a ira dos antepassados as mulheres da aldeia enterram a mãe de Farida jogam-lhe água fria por dias até sua morte.

O fantástico reside também nas proporções que certas cenas tomam, beirando o aburdo. No capítulo O fazedor de rios Muidinga e seu tio se deparam com um homem que está tentando, sozinho cavar um rio:

“Estava tão seguro que começara por escavar no chão da própria casa. Ruíram as paredes, desabou-se o tecto. Os seus se retiraram em dúvida da sua sanidade. Idos os próximos, irados os distantes. O sujeito desafiava os deuses que aprontaram o mundo para os viventes dele só se servirem, sem ousarem mudar a sua obra. Mas Nhamataca não desistiu, covando no dia a noite. Foi seguindo, serpenteando entre vales e colinas, suas mãos deitando e renovando mil vezes as sangradas e calejadas peles. E agora, sentado na ribanceira, guarda com vaidade a sua construção.”[xxiii]

Percebemos que a ideia em si, de cavar um rio já é quase insólita, mas ainda que aceitemos o fato, a descrição apresentada, do homem que desabou a própria casa e contornou vales e colinas cavando com suas mãos, foge da normalidade.

Vemos que as práticas religiosas também são bem descritas, dando uma sólida imagem da fé moçambicana. Percebemos como os rituais são feitos, quais são as restrições e materiais, como ele é executado. Muidinga encontra, um dia, idosas fazendo um ritual, as senhoras batem nele e depois o estupram. Mais tarde o velho Tuahir lhe ensina sobre as tradições e por que as senhoras o fizeram.

Se durante as visões de Kindzu do pai ficava a dúvida entre a alucinação e a realidade, essa dúvida se desfaz quando volta a cena um personagem já morto: Romão Pinto. Após acostar-se com uma mulher menstruada (de acordo com as crenças moçambicanas isso causa morte.) o português morre, porém seu espírito fica na casa e atormenta Quintino:

“De súbito, um barulho lhe gelou o nervo. Olhou, conquanto nem quisesse ver: o defunto, seu antigo patrão, se erguia do leito fúnebre. Romão Pinto, filho e neto de colonos, voltava à velha da família depois de mais de uma década de definitiva ausência. Ficou sentado como se lhe custasse regressar.”[xxiv]

Este mesmo fantasma, após esse fato, pede para falar com o administrador da cidade e os dois fecham negócio. Quando uma segunda pessoa interage com o ser sobrenatural temos a confirmação de que a presença do insólito no romance não é fruto de imaginações, mas parte de um mundo onde o imaginário se funde a realidade, desfazendo as fronteiras de crenças e fatos.

Percebemos, então, através dessa análise, que Terra Sonâmbula é um vivo retrato do povo moçambicano, uma descrição histórica de como a guerra acontece por trás da perspectiva da capital. Um povo que vive na dualidade de um passado rico em mitos e crenças, com um presente duro e cruel.

Vemos os claros resultados de uma extensa pesquisa sobre locais, lendas e personalidades, uma nova maneira de historiografar, através da vida de personagens que são ao mesmo tempo únicos e gerais. As identidades se perdem, os personagens se misturam tornando-se uma única massa, o povo moçambicano, com toda a força de suas crenças, se seu modo de enfrentar a guerra e a miséria, mas também de amar e encontrar felicidade nas mais improváveis situações.

Junto com A varanda de Frangipani e O último vôo do flamingo, formando uma trilogia que nos mostra a imensidão da cultura moçambicana, Terra Sonâmbula além de registrar com excelência o cotidiano do povo, trabalha de uma forma poética que brinca (ou brincria como o autor gosta de dizer) com as palavras, suas estruturas e sentidos. Podemos dizer que o romance é uma obra completa e merece as considerações dadas à ela ao redor do mundo.

Pedro Puro Sasse da Silva
Aluno do curso de graduação de letras - UERJ

REFERÊNCIAS

COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Digital Source:
http://www.4shared.com/document/BauwVjCy/Mia_Couto_-Terra_sonmbula__pd.htm

[i] A palavra vem de Manuel Antônio Naparama, líder militar de um grupo de guerreiros que andavam com vestes e pinturas tradicionais e protegidos por feitiços, tornando-os supostamente imune as balas. O mito dos naparamas como guerreiros místicos formou-se a partir do fato que nenhum fotógrafo jamais conseguiu fotografar Manuel Antônio.
[ii] Ônibus
[iii] Vinho feito das palmeiras.
[iv] Terreno de plantação
[v] Figura mitológica: Um anão que desce dos céus.
[vi]  COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Digital Source. 6 p.
[vii]  COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Digital Source. 6 p.
[viii] COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Digital Source. 12 p.
[ix] COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Digital Source. 16 p.
[x] COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Digital Source. 26 p.
[xi] COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Digital Source. 26 p.
[xii] COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Digital Source. 45 p.
[xiii] COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Digital Source. 82 p.
[xiv] COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Digital Source. 88 p.
[xv] COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Digital Source. 128 p.
[xvi] COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Digital Source. 146 p.
[xvii] COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Digital Source. 150 p.
[xviii] COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Digital Source. 10 p.
[xix] COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Digital Source. 12 p.
[xx] COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Digital Source. 18 p.
[xxi] COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Digital Source. 31 p.
[xxii] COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Digital Source. 44 p.
[xxiii] COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Digital Source. 64 p.
[xxiv] COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Digital Source. 113 p.

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