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Como é lindo o sorriso de uma criança [Carlos Carreiro]

Como é lindo o sorriso de uma criança

Você já percebeu como é lindo o sorriso de uma criança? Penso que quando uma criança sorri é porque, na sua ingenuidade, ela consegue ver a alma da pessoa, do objeto. Quando uma criança sorri para um adulto. O sorriso é uma dádiva; é como se fosse uma maneira do mundo dizer ao adulto que lhe perdoou todas as faltas.
O tempo deixa marcas irreparáveis, mas nos olhos daquela criança eu vi o perdão pelos meus erros. Sei que no fim da minha vida, condenado a morte, por uma doença incurável, não posso recomeçar, mas pelo menos tenho o consolo de que alguém nesse mundo me perdoou.
No que diz respeito às realizações, meus objetivos nunca tive o que reclamar. Lembro me como se fosse hoje, quando decidi o rumo de minha vida. Talvez, essa seja a única coisa que ainda hoje orgulhe me: a persistência e a determinação de ter dominado a minha vida por completo, mas sempre há um preço.
Nasci em um vilarejo pobre, conheci desde pequeno as consequências de ser pobre. O poder avassalador daqueles que oprimem. Da minha família. Sei que enquanto a tinha, era uma existência feliz. Mas quando aos 18, perdi meus pais em um acidente de carro. Foi difícil. Não refiro me ao lado prático: ambos sustentavam me e sempre tive comida no prato. Meu irmão foi morar com minha tia. Quanto a mim, resolvi buscar minha vida, minha independência. 

Entrei para a faculdade e conhecia pessoas que aprendia a apreciá-las, mas o meu tempo não era para elas precisavam ganhar o mundo. Foi quando conheci Virgínia  uma menina que fez com que o tempo parasse para mim e quase arruinou minha vida. Amei ela, da maneira como os poetas descrevem o seu amor em seus escritos. Hoje vejo que foi o tempo mais feliz da minha vida, conheci pessoas que por longos anos lhes fui legal, graça a amizade mútua que tínhamos. Nos aniversários sempre comemorávamos juntos. As vezes brigávamos, mas as brigas eram necessárias para que construíssemos o nosso caráter. Foram anos difíceis, mas que com a ajuda deles tudo parecia fácil. Naquele tempo tínhamos sonhos, queríamos mudar o mundo. Transformá-lo em lugar mais justo, pensávamos em nossos filhos. Foram sonhos que são comuns naquela idade. Tudo era possível, e desde sempre descobri que para mim era. Fazer grandes coisas parecia o meu destino, mas não sabia se essas coisas grandiosas serviriam para o bem ou para o mal.
Na metade do curso, fui estagiar e conheci um homem que me ensinou a viver em um mundo onde a maioria das pessoas acha que tudo era impossível. Comecei a conhecer mais as leis, e quando podia burlava ao meu favor. Aprendi a conhecer pessoas influentes e conversar sobre o que elas queriam, sobre o que elas gostavam. Isso me valeu o emprego e muitas promoções. Ao final do curso, além do trabalho que me rendia um salário considerável e o respeito na empresa, era dono da minha primeira empresa imobiliária. Não tinha imóveis, mas percebi que as pessoas que os tinham não sabiam negociar, fui ganhar dinheiro para elas e assim também ganhava um reforço em minha renda. Nesse tempo quase não via Virgínia  e ao cabo de dois anos após a formatura, quando tinha três imóveis em meu nome e aberto duas filiais de minha imobiliária terminamos. O consolo foi manter alguns amigos, e dedicar-me aos negócios. Sempre quis ter poder, e no ramo imobiliário tinha alcançado isso. Em um acordo com o meu chefe, sai do emprego fixo e com o dinheiro e com alguns telefonemas abri duas filiais e outros estados. Já não ia à todas as festas de aniversário, mas nas cidades onde eu tinha os meus negócios era sempre convidado por políticos e empresários de nome. Foi quando me aconteceram duas coisas que determinaram minha vida: despejei uma familia e comecei no ramo de construções com outros sócios.
NO ramo de construção, além de bajulador comecei a ser bajulado. Políticos me procuram, partidos queriam que eu os representassem, as festas mais importantes do pais eu era convidado. Aceitava o convite, após uma análise das pessoas que iam, e é claro do anfitrião. Agora eu falava apenas com três dos amigos da faculdade, meu irmão me procurava, mas raramente eu podia falar com ele. Agora, tinha responsabilidades mais sérias e o tempo me faltava. Após um ano de nossa conversa descobri que ele tinha morrido, estava com uma doença e precisava de tratamento médico adequado, como não tinha dinheiro e não conseguia falar comigo ficou dependendo da política. Nessa época, dei um jeito de me livrar dos meus sócios e fique quase com o monopólio das construções no país. Meus investimentos, além do ramo de imóveis estavam em aplicações da Nasdaq e da bolsa de Nova Iorki. Era conhecido mundialmente como um homem influente graças as empreitadas positivas. Comecei a trabalhar de consultor para alguns investidores exteriores e com uma certa frequência o presidente me pedia ajuda. Nessa ocasião resolvi entrar para a política. Graças a uma campanha de marketing muito bem paga, fui eleito deputado estadual, deputado federal e em muito pouco tempo estava no senado. Com esses anos na política outro caminho me abriu: terceirizar alguns serviços do governo. Agora com contatos e conhecendo as pessoas certas, isso foi fácil em pouco tempo era o maior fornecedor de serviços para o governo. Enfim, tudo o que eu tinha planejado para minha vida eu tinha alcançado. Mas não falava mais com o pessoal da faculdade, a Virgínia desaparecera completamente.
E quando eu pensei em me casar, descobri que estava com essa doença. Como sempre fiz em minha vida, tracei um plano para me curar. Consultei vários médicos, os melhores do pais. E me afastei da política por problemas de saúde, os negócios iam bem e isso não me causaria problemas. Nesse país, como em outros, uma vez que você entra para o grupo que governa, você não sai mais, e como o grupo não muda… Não tinha com o que me preocupar. Fui para o exterior, nossos médicos não possuem os aparelhos necessários. Comecei a pensar na vida.
Tive dois infartos seguidos, o que agravou a minha situação e me lembrei do meu irmão. Fiz o meu testamento e o que pude deixar deixei para o meu sobrinho, era o mínimo que eu podia fazer, por não ter ajudado o pai dele. O que eu queria ter na minha vida eu tive, mas não fui quem eu queria ser . Voltei a pensar em Virgínia e me arrependi de termos terminado, arrependi de ter abandonado as pessoas de que eu gostava. Lembrei de meus pais e das coisas que eu poderia ter feito para ajudar os outros. Tive medo de morrer. Queria ter frequentado mais a Igreja, ter sido católico ou qualquer outro devoto, queria que minha influência servisse para conversar com Deus. Pela primeira vez em minha vida, senti um vazio imenso e chorei. No dia seguinte, recebi a noticia de que morrerei em poucos meses e não há dinheiro, influência ou poder que negocie esse prazo. Sempre cumpri os prazos com os meus clientes, mas dessa vez eu queria que o prazo atrasasse. Tinha vergonha do que eu era.
Talvez tenha sido o sorriso da criança que tenha feito com que eu resolvesse escrever ao mundo o que se passou comigo. Escrevo em poucas linhas porque pela primeira vez na vida, eu realmente não tenho tempo, não é apenas uma desculpa para não falar com meu irmão, ou para não ligar para os amigos, para Virgínia.  Dessa vez há uma empresa muito mais poderosa que a minha, mais responsável pelos seus prazos, mais capacitada em destruir vidas, a morte. Irei morrer mas ficarei com a imagem daquele sorriso, daquela criança com o seu pai e com a sua mãe; com a criança que viu em minha alma o arrependimento de não ser o que eu gostaria de ter sido, só porque tive tudo o que quis.

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